Empreendedorismo nos EUA, parte 1: as garagens

Os Estados Unidos da América representam, sem dúvida, a Terra da Oportunidade.
E, nos últimos 50 anos, o mercado norte-americano nunca esteve tão positivo no que se refere à empregabilidade e ao empreendedorismo, como nos dias de hoje. A taxa de desemprego caiu a 3,5%, o menor patamar desde 1969 e se mantém desta forma desde maio de 2019, portanto, já há nove meses, o que configura estabilidade e solidez deste índice. Conveniente e importante lembrar que qualquer valor abaixo de 4% em uma economia desenvolvida já indica “pleno emprego”.
O grande “segredo” desta melhora na atividade econômica é um trabalho constante desde 1953 quando houve a promulgação do “Small Business Act”, um conjunto de leis que regulamenta o tratamento a ser dado às pequenas empresas. Nesse momento foi definida a criação do SBA – Small Business Administration, uma agência federal que possui a incumbência de treinar, preparar, amparar e qualificar os pequenos empreendedores dos Estados Unidos para que possam prosperar e prestar serviços ao Governo. Ainda, o SBA intermedia o financiamento destes pequenos empresários Junto a instituições financeiras credenciadas, para fornecer taxas subsidiadas em operações de empréstimos avalizadas pelo governo, que são verdadeiramente atrativas; em alguns casos chegam a 3% ao ano, e atingem montantes de até US$ 5 milhões.
Coisas que gostaríamos muito que fossem feitas no Brasil.
Para se ter uma ideia de o quanto o empreendedorismo é levado a sério aqui nos EUA, o país fechou o ano de 2019 com 30.779.812 empresas, sendo que 30.748.033 são consideradas empresas de pequeno porte, o que representa 99,9% de todas as empresas dos EUA. Ou seja, apenas cerca de 31.779 empresas são consideradas como não sendo de pequeno porte. Empresas de pequeno porte são aquelas que possuem menos de 100 funcionários em empresas de serviços e menos de 500 em manufaturas e, dependendo da indústria em que atuam, faturam anualmente menos de US$ 35,5 milhões (Dados do SBA – Small Business Administration – 2019 Small Business Profile).
Em uma das palestras que realizei para empresários brasileiros sobre empreendedorismo nos Estados Unidos, os primeiros slides eram sobre “garagens”. Primeiro, aparece uma garagem na cidade de Bellevue, Washington, com as portas de madeira e dois banquinhos dentro. Ali começou a empresa de Jeff Bezos, que hoje é a terceira maior empresa do mundo considerando-se seu valor de mercado, com 648.000 empregados: a Amazon.com.
 
Em seguida, outra garagem: Em Cupertino, Califórnia, ano de 1976, onde começou a maior empresa do mundo da atualidade. A foto retrata a garagem da casa dos pais do Steve Jobs, da Apple. Na sequência, mais uma porta de garagem: em Menlo Park, na Califórnia, garagem da casa dos pais de um rapaz chamado Larry Page que, junto com Sergey Brin em 1998 iniciou uma empresa que hoje se chama Alphabet… ou Google.
A terceira porta de garagem está representada por uma foto mais antiga, de 1923 tirada em Los Angeles, Califórnia também, onde um jovem que gostava muito de desenhar iniciou sua empresa, hoje com 201,000 funcionários: Walt Disney era seu nome.
Vários são os exemplos.
Ao apresentar estes slides, perguntei aos amigos empresários que assistiam à palestra: O que podemos concluir com estes fatos? Prontamente, um dos empresários de forma bastante espirituosa arrancou gargalhadas de todos quando respondeu, em fração de segundos: “Temos que mudar nossas empresas para a garagem!”
O fato é que se trata de uma característica cultural do povo americano iniciar logo cedo suas pequenas empresas… E, sim! Na garagem de casa, literalmente.
Esta questão é extremamente positiva para o empreendedorismo, mas também gera consequências estruturais não tão boas no país, no que tange à educação superior.
Nos Estados Unidos, o ensino público até a conclusão do segundo grau (“high school”) é de alta qualidade, e gratuito, custeado pelo imposto sobre os imóveis (o “IPTU” americano). Porém, todas as instituições de ensino superior, incluindo-se as governamentais, são pagas e seus custos podem chegar a até US$ 400 mil considerando-se apenas as anuidades, para um bacharelado completo em uma das universidades de primeiríssima linha, aqui chamadas de “Ivy League”, como Harvard, Yale, Columbia, Cornell, Dartmouth, Princeton e Universidade da Pennsylvania. Até mesmo o MIT (mesmo não fazendo parte da chamada “Ivy League”), está nessa faixa de custos.
Portanto, possuir um diploma de bacharelado torna-se caro para o americano padrão, que, caso sua família não tenha tido condições de economizar desde seu nascimento, se decidir optar por buscar um diploma de curso superior, terá que incorrer em uma dívida de financiamento estudantil que carregará por grande parte de sua vida.
Ou…
Assim que se forma no segundo grau, decide aproveitar todo o apoio que o governo americano dá ao pequeno empresário, monta uma pequena empresa, começa a prestar serviços localmente, compra seu carro, faz financiamento de sua casa própria, casa com sua namorada, forma uma família, e vai levando a vida. E, pasmem: o que no Brasil seria um sonho impraticável, aqui dá certo. E muito certo.
O apoio que o governo dá ao pequeno empresário é de forma estruturada, amparando em todos os pontos possíveis, desde a criação da empresa até o sistema fiscal com facilidades tributárias para as empresas “LLC” (Limited Liability Company), que possuem algumas similaridades com as nossas “Ltda.”s, mas com muitas vantagens e flexibilidade, como financiamentos, treinamentos e qualificação, além de outros pontos.
Mas para o imigrante, no caso, o imigrante brasileiro: o ambiente do empreendedorismo também é propício?
A resposta é: SIM.
Desde que o brasileiro venha disposto a operar da forma como os americanos operam, sem “jeitinhos” ou outros malabarismos que muitas vezes os empreendedores se veem forçados a recorrer para sobreviver no mercado brasileiro. Estando nos Estados Unidos, temos que respeitar a maneira de trabalho deles, da mesma forma que quando vamos à casa de amigos, como convidados ou visitas: se na casa do amigo ele sugere que tiremos os sapatos para entrar, pois é a regra da casa… o fazemos.
Nesta série de artigos orientada ao empreendedorismo tomando-se por base o que hoje acontece (e o que dá certo) nos Estados Unidos, pretendo compartilhar com os amigos do Administradores.com um pouco do que tenho aprendido nestes quatro anos de trabalho intensivo como empreendedor e consultor na terra do Tio Sam.
Por solicitação de um amigo da FIESP ligado ao empreendedorismo, é interessantíssimo trazermos ao Brasil as boas práticas de outros mercados, as experiências que deram certo, e lutar para que sejam replicadas em solo tupiniquim.
Benchmarking é comprovadamente um excelente caminho.

 

ANDRÉ VACCARO
Consultor em Gestão de Negócios e Diretor do Núcleo Miami/FL_EUA da ABCO
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